"Entre o erótico e o sagrado, Hyago Marques reelabora a mística do verter, do porejar de êxtase, de luto, de cólera. Neste Ano Litúrgico — e febril —, a leitora tem à sua disposição um léxico e artefatos ritualísticos quase palpáveis, além de um delicado convite para ser cúmplice." — Release do livro.
Capa "final" do livro, com ilustração também de minha autoria |
Ao contrário de muitas escritoras que acompanho, que relatam em entrevistas e newsletters o fato de seus trabalhos nascerem como projetos, meu novo livro confirma a tendência apontada pelo primeiro: esses textos têm seus próprios tempo e vontade para decidir quando e se querem ser publicados. Meus processos com poesia são bastante diferenciados do que experimento em outras artes, onde consigo atuar de forma mais administrativa, na falta de termo melhor, sobre o início, o fim e o meio.
Mas na literatura, especialmente na poesia, os textos se impõem. Nunca planejei um livro tomando determinado tema como mote e desenvolvendo os poemas a partir dele. Muito pelo contrário, escrevo, me distancio e releio com o olhar de quem busca aperfeiçoar o material, mas também entender as conexões possíveis e que antecedem o desejo de tê-los agrupados em publicação. E o Ano Litúrgico é um exemplo claro disso, pois, ao contrário do anjos tocam lira nas molas do colchão (2021) — que englobava textos de diversos anos —, concentra produção elaborada em curtíssimo tempo, de meados de 2023 ao início de 2024.
Sem pretensão de publicar outro livro, entre as aulas de Literatura de Língua Portuguesa V, ministradas pelo antonio carlos sobrinho (Pequeno laboratório das coisas da vida e quase um manifesto (Patuá, 2021 e 2023, respectivamente) em 2023, alguns dos novos poemas nasceram sob influencia dos conceitos de literatura do trauma, memória e contemporaneidade. Coincidentemente, foi tambémesse ano em que minha irmã saiu de casa e eu me vi com uma série de coisas para reelaborar. Eu escrevi muito sobre irmãs, até vislumbrei um livro com o exato título Irmãs.
Foi um período no qual, mesmo atravessando a distância de minha irmã e melhor amiga como fator determinante na minha escrita, observei uma reaproximação com o sagrado. Eu busquei alguns livros canônicos para investigar a amizade, até que me deparei com o Cântico dos cânticos, totalmente destoante do que procurava e muito peculiar. Daí até a poesia de Adélia Prado e Raquel Naveira, leituras que me encaminharam muito confortavelmente à investigação do liame entre sagrado e erótico, foi um caminho curto . Revisitei ainda, e com muito prazer, Adília Lopes, mas uma das principais influências nesse processo foi mesmo a obra de Olga Savary. Lembro de ter devorado todo Repertório Selvagem em pouquíssimos dias, tão difícil a tarefa de largá-lo.
Não posso deixar de citar como mais uma entre as grandes influências dessa nova publicação o Livro da vida, de Santa Teresa D'Ávila (Penguin Classics; Companhia das Letras, 2010), particularmente a passagem em que narra a transverberação, e a obra de Bernini, Êxtase de Santa Teresa (1645-1652), para vários poemas e também para as ilustrações que os acompanham — todas de minha autoria.
O que me atrai nesse corpo de autoras é o aspecto religioso fortemente presente em seus textos, mas não de forma tradicional. Há uma permeabilidade do erótico, em alguns casos até uma aproximação do profano, processada no cotidiano. São vozes poéticas assumindo lugares bem definidos, possuidoras de conceituações do erótico e de Deus em uníssono, ou mesmo em denúncia. E foi assim, a partir de uma proposta de trabalho final na disciplina citada anteriormente, que percebi a urgência de dar vazão a uma voz poética febril. Tudo se desdobrou muito naturalmente.
Estudando Hilda, Adélia e Raquel. |
Além disso, fiz mais algumas leituras do Cântico, o belo e na mesma medida polêmico texto canônico cristão. A alegoria de noivo e noiva como Deus e a Igreja me fez pensar bastante, mas o rigor claramente carnal presente nos versículos me fez caminhar por outra leitura e, ainda que de forma muito sutil, adensar as trincheiras das que buscam sangrar o cânone. Ao que adicionei um “fermento muito pessoal”, como diz um amigo vez e outra.
Quando revisitei meus cadernos em busca do que já tinha escrito, os textos dialogavam entre si com cólera, luto e despersonalização. Aparentemente distanciados, tinham como elemento aglutinador o erotismo. Daí meus olhos conversaram com as páginas, meus ouvidos passaram a escutar o que tinham a dizer, como queriam ser dispostas e organizadas.
Esse estalo não só me fez perceber que ainda não era o momento para escrever sobre irmãs, ideia que de forma alguma jaz abandoada, tampouco o de retomar outro livro, esse sim aproximando-se das características de projeto e que por isso mesmo, suspeito, tenha estancado há tempos, como sabem amigas mais próximas. O que escrevi nesse prisma segue decantando, aguardando pacientemente o momento certo de vir ao mundo.
Planejo escrever um pouco mais sobre o Ano Litúrgico e seus processos, seu projeto editorial e gráfico, que assino novamente, e, quem sabe, dos percalços enfrentados na publicação independente. Até lá, deixo aqui as informação para quem quiser comprar na pré-venda (comprando nesse período você me auxilia com alguns custos burocráticos de edição, além de garantir desconto exclusivo da pré-venda).
Não posso deixar de dizer que o livro será produzido artesanalmente, em tiragem única e exclusiva, limitada a 50 exemplares numerados e costurados à mão.
Abaixo você pode conferir um dos poemas que estará presente no Ano e também os preços, frete e opções de pagamento (a venda do livro é feita exclusiva e unicamente por mim):
tigre [v. 2, 5 mar. 24]
(para a.)
todos os dias
o tigre branco corre
sozinho a savana
da memória
todos os dias
sento aqui
longe do olhar de j
para ver o tigre
de juba castanha
desalinhada
escrevo os poucos
pelos em seu peito
até o terceiro botão
terceiro mistério
o tigre corre aqui
níveo e na boca
ao invés de um naco
de minhas ancas
ruge luz
e no dorso nevado manto
e na fauce guias
e as sextas para os santos
nunca para mim.
não é comigo que deita
cansado do páreo
do script
do rush diário
após caçar vagalumes
não é minha a chama que abranda
no ardor da malícia
embora o aqueça
todos os dias
o tigre branco corre
______ a savana
minha memória
e todos os dias
com seu nome sob quartzo rosa
sento aqui
para vê-lo passar.
Preço à vista R$ 60 (frete incluso para todo o Brasil) ou R$ 50 (para pessoas de Alagoas, com entrega em mãos).
Formas de pagamento: PIX ou cartão de crédito (via link de pagamento) em até 12x*
Você pode fazer o pagamento via PIX para: hyagocmarques@gmail.com e enviar o comprovante para o mesmo endereço de e-mail. Vou te responder confirmando o recebimento.
Para pagamentos no cartão ou contato, por favor escreva para hyagocmarques@gmail.com ou para o meu Instagram, solicitando o link de pagamento.
Atenção: os envios dos livros comprados na pré-venda iniciam em maio.
*com acréscimo da mediadora [consultar valores]. Os pagamentos com cartão de crédito, à vista ou a prazo, são exclusivos para bandeiras Visa e Mastercard.
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