"[...]
nem tudo que reluz é ourosó Marilyn"Ledusha.
Muitas coisas me levaram a escrever. Ainda na infância, impulsionado pelo ofício de copista de minha mãe, comecei a colecionar cadernos nos quais passava a limpo todo e qualquer texto que chegasse até mim. Com o passar do tempo, o exercício se mostrou eficaz diante da demanda por letras cabíveis entre as linhas do caderno, me permitindo escrever de forma inteligível para as professoras do ensino fundamental.
As listas de livros didáticos deixaram de me exigir caligrafias muito cedo, reduzindo os gastos de uma avó esforçada em dar ao neto a educação que não teve. Dela ganhei ainda minha primeira caligrafia, comprada em um armarinho do bairro: um livrinho roxo, como as tarefas de casa, úmidas e com cheiro de álcool, entregues por mãos igualmente roxas na saída da escola. Na capa, um elefante e dois ratinhos antropomórficos simulavam uma aula.
Conforme eu crescia, o exercício da cópia ia perdendo peso e significado, ao mesmo tempo em que as letras redondas impecáveis iam constituindo um incômodo. Vivendo em uma família de mulheres, na adolescência comecei a observar minha madrinha e sua comadre espalhando montes de agendas estufadas, papéis de cartas e toda sorte de registros de vivências sobre o chão de cimento vermelho da casa. Comecei a escrever meus próprios diários, embora não tivesse muito para contar ou sequer todas as ferramentas necessárias para entender a escrita além do gesto de grafar palavras no papel, além da necessidade de ser inteligível, predominante nos meus anos iniciais como alfabetizando.
Me demorei bastante nos diários. Estufei agendas, colecionei papéis, guardei coisas que julguei importantes entre suas páginas. Fiz isso tempo suficiente para entender que, de algum modo, aquele incômodo inicial com o apelo estético da coisa era na verdade esse desejo de ir além, de reconhecer na escrita uma possibilidade de traduzir sentidos, de criar finais felizes. Um desejo que só se intensificou com a descoberta de que, por trás das capas coloridas, dos adesivos holográficos e dos papéis de carta com garotas de vestidos exageradamente floridos regando plantas, nem sempre as experiências das mulheres da família consistiam em momentos felizes.
Talvez fosse esse o motivo por trás do gosto de minha avó, que gestou e criou a maioria delas, pelos números ao invés das letras. Nem sempre é possível amar o desconhecido.
[Texto elaborado como exercício na disciplina de Leitura e Produção de Textos em Língua Portuguesa da licenciatura em Letras na FALE/UFAL].
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