segunda-feira, janeiro 31, 2022

30 anos e 30 álbuns para 2022: parte 1

Faz alguns meses que venho enfrentando um bloqueio criativo. A escrita se tornou escassa para além de ideias em guardanapos e notas de Post-It espalhadas pela casa, limitando os avanços do conteúdo do blog. Reelaboro uma tragicomédia – pois minhas definições para 2022 envolvem trabalhar mais com a prosa tendo esse espaço como mote – e tento girar a chave emperrada na cabeça aproveitando minha própria companhia e avaliando outras: físicas, literárias, cinematográficas, sonoras.

Tenho estudado possibilidades e os inúmeros impasses entre o lugar onde estou hoje e o vislumbre de onde gostaria de estar. À beira dos 30, essas coisas se tornam mais urgentes, então busco pistas sobre erros e acertos em contato com outros momentos através da memória afetiva ligada à música. Pensando em toda essa situação e na escrita como uma necessidade, resolvi dar uso aos limões: montei uma lista com 30 álbuns marcantes na minha vida e/ou na minha escrita – essa divisão com limites borrados, já que a escrita é também um lugar de auto exercício e, portanto, de singularidades variáveis de individuação.

Dito isso, gostaria de deixar claro que a lista:

1) é majoritariamente composta por discos da década 1990, por preferência e também pelo diálogo entre conteúdo lírico e experiências pessoais;
2) considera mais obras de autoria de mulheres, muitas delas na articulação entre a primeira edição do Lilith Fair e suas conexões com a expressão da terceira onda feminista na música;
3) não obedece nenhum critério de classificação, visto que, por motivos óbvios, isso não faria sentido;
4) destaca algumas faixas de cada disco, nem sempre considerando as minhas favoritas (então recomendo fortemente a audição completa de cada um deles), acompanhadas de links do áudio ou do vídeo no YouTube.

Todos os álbuns citados refletem muito sobre a minha formação enquanto pessoa e dizem, cada um a seu modo, mais sobre mim do que eu mesmo conseguiria escrever... ao menos hoje.

***

1. Boys for Pele (1996), Tori Amos: um ponto de ruptura para mim, ensaio uma resenha dele há tempos. Tori Amos é, sem sombra de dúvidas, uma das artistas mais completas e criativas em atividade. O conteúdo lírico orbita a ideia da busca pelo próprio fogo, entendido tanto em seu potencial destrutivo quanto na sua potencialidade criadora, através do “sacrifício” dos homens em nome de Pele, deusa havaiana do fogo/vulcão. Foi um álbum que influenciou muito a escrita do Anjos tocam lira nas molas do colchão, meu primeiro livro, principalmente pela força feminina em contraste com o peso do patriarcado (que também se faz presente através da ausência). Além disso, é também definitivo no meu interesse por instrumentos de corda. Destacar faixas desse disco é impossível, mas deixo como recomendações Caught a Lite Sneeze e Blood Roses.

2. Fumbling Towards Ecstasy (1993), Sarah McLachlan: lembro como se fosse hoje a primeira vez em que ouvi esse disco. Sonoridade característica da época, elevada pela combinação entre composição impecável e a voz de McLachlan, que não se distancia disso. Liricamente, o álbum traz muitos elementos sobre amor e pertencimento. Destaco as faixas Possession – escrita a partir do ponto de vista de um homem transtornado/obcecado por uma mulher, refletindo a experiência da cantora com um stalker que posteriormente a processaria pelo suposto uso indevido de uma de suas cartas na letra – e Good Enough.

3. Love in the Time of Science (1999), Emilíana Torrini: genial desde o título com essa referência ao Gabriel García Márquez, o disco foi meu companheiro nas longas viagens de ônibus até a faculdade nos primeiros anos de curso. Flerta com uma sonoridade mais experimental e elementos do trip-hop – assim como os álbuns da Björk, conterrânea de Torrini, pós-Debut. As letras incorporam muito de uma busca por autoconhecimento a partir da perspectiva da juventude, considerando momentos de baixa e solidão, mas também a compreensão de que nem sempre tudo será um mar de rosas. E OK se não for, porque "sad things have to happen". Destaco To Be Free, Unemployed in Summertime, Easy e Tuna Fish.

4. Relish (1995), Joan Osborne: esse é um dos discos da lista com os quais tive contato mais cedo. Cheguei até ele através da música One of Us, que tocava alucinadamente nas casas dos meus vizinhos graças à coletânea de videclipes pirateada LoveHits – um DVD que todo mundo tinha. Relish é especial pelo trato de arquétipos cristãos e todo o recurso à espiritualidade presente nas letras. Tendo nascido em seio católico, encontrar um disco que trabalha esses elementos com uma sonoridade popular alternativa foi ótimo na época. Destaco as faixas One of Us, é óbvio, St. Teresa (que tem um dos vídeos mais incríveis que já vi) e Pensacola.

5. Pretty Hate Machine, Nine Inch Nails (1989): um de sonoridade destoante do resto da lista. O trabalho do Trent Reznor como compositor está traduzido no título do álbum. As letras são muito honestas, por vezes até agressivas, mas a genialidade está justamente nesse aspecto – a captação de vivências próprias de um momento de revolta, mentiras, traição, descontentamento social e a descoberta de novos meios de compreensão da figura de Deus. Na época das primeiras audições, me conquistou mais pelo conteúdo lírico; hoje é um dos meus preferidos entre os experimentais do coração. Destaco Ringfinger, Down In It, Sanctified e The Only Time.

6. The Sound and The Fury (2015), Nerina Pallot: outro disco que me acompanhou durante a época da faculdade. Conheci Nerina através da colaboração com Sandy em Dias Iguais. Como as demais artistas citadas até então, ela também incorpora a perspectiva feminista nas letras, que detém uma complexidade bem diferenciada em momentos como Rousseau. O disco é especial, entre outros aspectos, porque me encontrou em um momento de leveza e criatividade, e logo virou um daqueles que a gente põe para tocar e canta do começo ao fim. As faixas Big White House, There Is a Drum, Spirit Walks e If I Had a Girl merecem destaque.

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