Ilustração de minha autoria (2020) |
Um exemplo é esse rapaz, meu melhor amigo no ensino médio. Éramos muito diferentes, tínhamos perspectivas opostas de vida – eu me via casado e com filhos muito cedo, ele achava meu ideal um pesadelo –, mas nos dávamos bem. Ele sequer podia pensar na ideia de estar casado, causava espanto e repulsa a possibilidade de ficar com a mesma pessoa diante de uma infinidade de outras à disposição do seu apetite sexual. Eu observava os contatos dele com caras mais velhos e tentava apreender o máximo daquelas experiências, pensando sempre o quanto viver desse jeito não era para mim.
Recentemente, durante uma breve chamada na qual relatei meu último término, ele me contou sobre estar casado e ter “deixado de ser puta”. Após um longo momento de silêncio, a voz que se precipitou não foi a minha – ele precisava desligar, tinha uma festa para ir. De início me peguei lidando com a insegurança causada por aquela informação, porque, se a pessoa que mais abominava casamentos tinha conseguido se fixar, não restariam muitas alternativas para mim além do carma da solteirice. Era um sentimento mesquinho, eu sei, mas me permiti senti-lo por instantes. Em seguida me dei conta de que, como o tom da linha após ele ter desligado, essa dúvida martelava minha mente: estaria ele feliz com o casamento?
Sempre pensei que, caso estabelecesse relação séria com alguém, esse amigo lidaria com as coisas com mais desprendimento e atenção a si. Ele sempre quis chamar atenção dos homens mais velhos, bonitos e com algo para oferecer só pelo prazer de fazê-los correr atrás dele depois. Seria possível, já naquela idade, que ele agisse assim consciente de como os homens em geral não esperam muito além de sexo descompromissado performado como seus/suas parceiros/parceiras jamais o fazem? Isso realmente não funcionava para mim na época, não vivenciei isso – tanto que hoje me deparo com alguns conflitos com cara de adolescência nos anos 2000.
Nesse momento, caro/a leitor/a, preciso alertá-lo/a, se estiver se perguntando sobre arrependimentos, pode tirar o cavalinho da chuva. Prefiro saber que passei minha adolescência e o início da juventude cultivando boas oportunidades de encontrar “o cara certo” do que ter transado com cada um dos interessados em mim nesse período. A questão é: o que está por trás do fato de todas as pessoas ao meu redor estarem vivenciando relacionamentos que nunca visualizaram, enquanto eu sigo contando aniversários e me frustrando a ponto de ficar com olheiras do tamanho de moedas de um real a cada término?
Não conheço sequer um casal feliz de homens homossexuais, é verdade. Quando questiono as razões por trás disso penso a impossibilidade de dois homens serem completamente felizes juntos porque são dois homens tentando ser felizes juntos. Mesmo que um dos lados acabe por ceder – e nós sabemos que isso acontece com frequência em qualquer relação –, hora ou outra os instintos predatórios se mostram e impõem dor em grande medida para o “lado mais fraco”. E o lado mais fraco é, na maioria das vezes, a figura sobre a qual recai a projeção de feminilidade, seja do parceiro ou da sociedade.
É exatamente aí que me encaixo nos meus breves relacionamentos, na esfera da reprodução de uma relação hetero – desde as responsabilidades até o abandono, situação na qual acabo sendo tachado de “louco” enquanto o outro é amparado pelo “mas ele é homem”. Eu também sou, mas não me presto a certas atitudes porque há sempre sentimentos e sonhos envolvidos – soa familiar? As pessoas estão mesmo cada vez mais ausentes do campo da responsabilidade afetiva? Não existem mais homens solteiros de caráter ou eu só não dei a sorte de encontrar um desses ainda?
Sempre tentei ser flexível em cada uma das relações que mantive até aqui, tentei ajustar as coisas para que fossem mais leves – sou extremamente tolerável, mas não pise nos meus calos –, entendo que as pessoas são diferentes e mudam todos os dias. Mas no fim das contas isso não deu em absolutamente nada além de noites de choro e buscas por cremes clareadores nas farmácias do bairro. E quando procuro conversar há sempre os julgamentos que me colocam como um arquétipo gay do Peter Pan – alguns até costumam jogar na minha cara um texto que escrevi sobre a solidão do gay negro –, como se não quisesse crescer em um espaço onde crescer significa deixar de acreditar no amor como possibilidade.
Em outro momento, uma amiga me abriu os olhos com um dos melhores conselhos amorosos que só a experiência de anos de casamento pode ofertar: há pessoas que simplesmente não conseguem lidar com a felicidade e a estabilidade de um relacionamento sério. É verdade. Há pessoas que não conseguem lidar com esse tipo de situação, mas só se dão conta disso quando é tarde demais e os parceiros estão acreditando naquilo como uma união estável – sem o estatuto jurídico do termo. Para alguém que se encontra em um desses momentos enquanto a parte que realmente quer fazer as coisas darem certo, nem sempre resta a sabedoria possível para ser resiliente. Só uma avalanche de memórias e dúvidas.
Acontece que, mesmo assim, eu ainda quero ter um relacionamento duradouro e que possa se sustentar de forma saudável e justa. É isso o que tem mantido minha crença na existência de algo próximo de uma pessoa certa, mas jamais perfeita. Ao mesmo tempo em que falo sobre não me arrepender de como agi no passado (e não só no passado mais distante), também estou consciente de como o ideal da perfectibilidade é tóxico e massacrante. Eu nunca esperei perfeição de nenhum dos homens com os quais estive, mas respeito, bom caráter e confiança sempre foram pontos importantes aos quais eu me ative, cobrei e cobrarei em qualquer relacionamento futuro.
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