Em 3 de janeiro de 2020 eu decidi que leria a obra completa de Paulo Coelho. No dia seguinte fui ao centro da cidade e descobri, sem muita surpresa, uma prateleira dedicada ao autor num sebo. O estado de conservação e o número de repetições dos títulos – que também serviam de lembretes da popularidade e da vastidão da obra de Coelho – fizeram com que passasse algum tempo buscando os que leria primeiro. Preços abaixo dos R$ 10 elevando a dúvida a patamares desconhecidos e reforçando os sentidos da frase anterior.
Apinhado entre a prateleira de cima e a massa de livros abaixo, lá estava o que viria a ser o meu exemplar de Brida: uma edição de 2007, da Gold, com algumas manchas de umidade e um cardápio de saladas anotado na parte interna da capa (sugeria atum aos sábados). Na hora percebi que era parte de uma coleção vendida nos catálogos da Avon que recortava na infância. A ideia da leitura pareceu ainda melhor.
No dia 5 de janeiro eu concluía o livro. "Eu preciso mesmo ler tudo o que esse homem escreveu", pensei.
Publicado no ano de 1990 no Brasil, Brida (2007, Gold) é baseado, conforme sugere o prólogo, numa história real. A escrita de Paulo Coelho transita pelas dimensões da existência, espaços que dialogam na leveza da narrativa situando a trajetória da busca pelo sentido da vida. Há também essa definição do amor como meio de conexão que permite resgatar a unicidade da alma no encontro com a Outra Parte (aplicação do conceito de alma gêmea), que pode ser identificada pelo brilho no olhar ou por um ponto brilhante acima do obro, a depender da tradição seguida.
Brida, personagem que empresta nome ao livro, é uma mulher irlandesa de 21 anos que quer aprender magia. Sua evolução na história é similar à jornada do herói simbolizada no tarô e todos os dispositivos apontam para o crescimento pessoal. A personalidade de Brida é complexa e sensível, permitindo a experimentação das sensações com um rigor bastante específico; é o pilar que sustenta os desejos de realização astral em consonância com a materialidade da vida construindo a dinâmica de contestação entre o real e o que não se vê. As práticas esotéricas não acontecem aqui de forma gratuita, fixadas como são ao modo como se dá andamento à vida.
Demarcada pelas estações do ano, a jornada acontece entre agosto de 1983 e março de 1984: durante o verão e o outono, Brida se vê mergulhando na Noite Escura para emergir na descoberta entre o inverno e a primavera. Na Wicca os equinócios de primavera compõem um dos quatro grandes sabbats, sendo este o cenário para o clímax do livro. Essas são apenas algumas das menções à bruxaria presentes no texto. A mescla do paganismo e sua cultura com a simplicidade é um deleite.
A condição de mago de Paulo Coelho, certamente, põe à disposição material para a descrição dos ritos e para o resgate da tradição das bruxas, mas é surpreendente como ele lida com o feminino na narrativa. As mulheres de Coelho, penso, remetem à própria feminilidade do autor, já sinalizada em entrevista para a Folha de São Paulo em 2018. Outro aspecto extremamente significativo é o uso da imagem da bruxa com apelo diferenciado do que se costuma observar na cultura popular – mesmo para um livro da década de 1990, na qual tal imagem já era explorada de modo problemático, ainda que não como se faz na atualidade.
O culto às bruxas e a condução de personagens que são mulheres independentes e bem resolvidas concebem latência à força feminina no texto. Essa presença dissolve, de certo modo, a romantização comum da existência feminina quando o amor é universalizado com uma roupagem alheia ao mito romântico. A questão passa a ser tratada no campo da filosofia de vida.
Com isso o brilho no olhar ou o ponto luminoso acima do ombro da sua Outra Metade ressignifica a experiência como um encontro consigo, com o passado e com as possibilidades contidas no futuro -- e pode ser essa a lição que Brida tem para oferecer hoje.
Coelho convida ao autoconhecimento desdenhando de frases feitas, empregando linguagem convidativa e ritmo agradável sem abrir mão de tratar a complexidade da vida ou desconsiderar sua forma: um circulo perfeito, sem começo ou fim.
Apinhado entre a prateleira de cima e a massa de livros abaixo, lá estava o que viria a ser o meu exemplar de Brida: uma edição de 2007, da Gold, com algumas manchas de umidade e um cardápio de saladas anotado na parte interna da capa (sugeria atum aos sábados). Na hora percebi que era parte de uma coleção vendida nos catálogos da Avon que recortava na infância. A ideia da leitura pareceu ainda melhor.
No dia 5 de janeiro eu concluía o livro. "Eu preciso mesmo ler tudo o que esse homem escreveu", pensei.
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"[...] Em certas reencarnações, nós nos dividimos. Assim como os cristais e as estrelas, assim como as células e as plantas, também nossas almas se dividem. "A nossa alma se transforma em duas, estas novas almas se transformam em outras duas, e assim, em algumas gerações, estamos espalhados por boa parte da Terra." (p. 35)
Brida, personagem que empresta nome ao livro, é uma mulher irlandesa de 21 anos que quer aprender magia. Sua evolução na história é similar à jornada do herói simbolizada no tarô e todos os dispositivos apontam para o crescimento pessoal. A personalidade de Brida é complexa e sensível, permitindo a experimentação das sensações com um rigor bastante específico; é o pilar que sustenta os desejos de realização astral em consonância com a materialidade da vida construindo a dinâmica de contestação entre o real e o que não se vê. As práticas esotéricas não acontecem aqui de forma gratuita, fixadas como são ao modo como se dá andamento à vida.
Demarcada pelas estações do ano, a jornada acontece entre agosto de 1983 e março de 1984: durante o verão e o outono, Brida se vê mergulhando na Noite Escura para emergir na descoberta entre o inverno e a primavera. Na Wicca os equinócios de primavera compõem um dos quatro grandes sabbats, sendo este o cenário para o clímax do livro. Essas são apenas algumas das menções à bruxaria presentes no texto. A mescla do paganismo e sua cultura com a simplicidade é um deleite.
"Quando Brida mostrou-se surpresa com o carvão e a colher de pau, Wicca disse que, na época da caça às bruxas, as feiticeiras eram obrigadas a utilizar materiais que pudessem ser confundidos com objetos da vida cotidiana. Essa tradição se manteve através do tempo, no caso da lâmina, do carvão, e da colher de pau. Os verdadeiros materiais que os Antigos usavam haviam se perdido por completo." (p. 93)
A condição de mago de Paulo Coelho, certamente, põe à disposição material para a descrição dos ritos e para o resgate da tradição das bruxas, mas é surpreendente como ele lida com o feminino na narrativa. As mulheres de Coelho, penso, remetem à própria feminilidade do autor, já sinalizada em entrevista para a Folha de São Paulo em 2018. Outro aspecto extremamente significativo é o uso da imagem da bruxa com apelo diferenciado do que se costuma observar na cultura popular – mesmo para um livro da década de 1990, na qual tal imagem já era explorada de modo problemático, ainda que não como se faz na atualidade.
Capa da edição mais recente de Brida, publicada pelo selo Paralela (Companhia. das Letras) em 2017. |
Com isso o brilho no olhar ou o ponto luminoso acima do ombro da sua Outra Metade ressignifica a experiência como um encontro consigo, com o passado e com as possibilidades contidas no futuro -- e pode ser essa a lição que Brida tem para oferecer hoje.
Coelho convida ao autoconhecimento desdenhando de frases feitas, empregando linguagem convidativa e ritmo agradável sem abrir mão de tratar a complexidade da vida ou desconsiderar sua forma: um circulo perfeito, sem começo ou fim.
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